sexta-feira, 6 de março de 2009

Grande Entrevista... com Beatriz Quintella!

Na quinta-feira passada, dia 5 de Março, o grupo foi ao Armazém da Alegria, onde se reúne o Teatro do Frio, para fazer uma entrevista à Beatriz Quintella, directora da Operação Nariz Vermelho. Aqui está a versão escrita da mesma. A versão em vídeo será aproveitada para o documentário, por isso não faria sentido colocar aqui.
Esta entrevista foi muito proveitosa para o trabalho. Mas mais do que isso, foi mais uma tarde bem passada com uma pessoa que se tornou uma autêntica caixinha de surpresas. Divertimo-nos muito! Foi palhaçada geral.





Grupo 4 – Boa tarde, Beatriz Quintella.
Beatriz Quintella –
Muito boa tarde!

G4 - A Beatriz é uma das fundadoras da Operação Nariz Vermelho. Que razões a levaram a começar esta aventura?
BQ
– Nós gostamos de dizer que não somos fundadores. Nós somos afundadores! Às vezes uma vogal faz muita diferença, não é? Nós afundamos esta associação desde 2002. A necessidade era formar artistas que trabalhassem com constância dentro do hospital. O palhaço sempre visitou a criança, só que visitava a criança em Dezembro, visitava a criança no Carnaval… Mas quem é que visita a criança em Maio? As crianças estão hospitalizadas 365 dias por ano! Com doenças crónicas, complicadas… e era importante criar um projecto que as visitasse todas as semanas. Acho que é por isso que a Operação Nariz Vermelho nasceu.

G4 - Sabemos que se inspirou nos Doutores da Alegria, do Brasil, e no Big Apple Circus, dos Estados Unidos, para criar a ONV. O que viu nestas duas organizações?
BQ –
Na verdade, eles são pessoas que vieram à nossa frente. O Big Apple Circus, que é o primeiro grupo de doutores palhaços, faz isto há vinte anos! E é muito bom, quando a pessoa tem uma ideia, ter alguém que já faz uma coisa parecida… eles foram sempre muito generosos, deram-nos formação, explicaram-nos os problemas que tinham, deram-nos conselhos… e essa relação com outros grupos sempre foi muito importante para nós.
Vocês fizeram o trabalho de casa! Professor, ouviu? (risos)

G4- Se lhe perguntássemos qual o grande objectivo da Operação Nariz Vermelho, qual diria?
BQ –
É transformar a realidade das pessoas que estão nos hospitais. Não só das crianças, mas também dos pais e dos profissionais de saúde. Quando a pessoa ri, fica completamente transformado o ambiente à sua volta. E o nosso objectivo às vezes nem é fazer rir! Às vezes é só estar com uma criança, levar um sorriso… às vezes até o choro transforma… o nosso objectivo é estar com as pessoas e transformar um bocadinho a vida delas.


G4 - O vosso trabalho está principalmente direccionado para crianças e adolescentes. Acha que o palhaço poderia ser também importante junto das outras faixas etárias?
BQ
– Claro, o palhaço não é aquela personagem de circo, horrorosa, com máscara e cabelo, aquilo é um susto, não é um palhaço! O palhaço é uma personagem como o bobo da corte! E o palhaço sempre existiu. O Ricardo Araújo Pereira, o José Diogo Quintela, e os outros, são todos palhaços sem máscara! É claro que o palhaço alcança muito mais do que a criança. Toda a gente gosta de brincar… quem é que diz que aos 18 anos as pessoas têm que ficar sérias e sisudas? As pessoas precisam de continuar a rir, de continuar a brincar, e acho que o palhaço é importante para a sociedade por isso.


G4 - Neste momento, estão em quantos hospitais?
BQ –
Onze. Nós trabalhamos em onze hospitais, três na Região Centro Norte, em Coimbra, IPO e Hospital de S. João, e oito lá em baixo.

G4 – E há perspectiva de aumentar o número de instituições?
BQ
– Nós temos quatro hospitais em lista de espera, mas acontece que os artistas que trabalham connosco são artistas profissionais remunerados pela associação. Para aumentar hospitais, temos que aumentar os fundos, e aumentar os fundos não é muito fácil.


G4 - Como é que os profissionais de saúde vêem o vosso trabalho? Alguma vez sentiram oposição por parte de algum?
BQ –
Essa pergunta é muito boa. Vocês estão todos de parabéns!
No início, os profissionais de saúde estranharam, porque o palhaço é uma pessoa que não tem regras, é barulhento… “Que é que vocês vêm fazer para o hospital, será que têm regras? Vão perceber o que é uma criança isolada? Vêm ajudar ou vêm estorvar?”…
Mas com o tempo nós criámos uma relação de respeito e hoje em dia eu acho que os profissionais de saúde nos vêem como colegas, o que é uma grande honra para nós.



G4 - Muitas pessoas estranham o facto de o vosso trabalho não ser voluntário. Acha que o facto de ser um trabalho pago contribui para a consistência da organização?
BQ
– Olha, as pessoas têm a esperança de que cuidar do outro seja sempre uma coisa que fazes de graça, e estás a cobrar para cuidar. O médico, por exemplo, cobra… E o enfermeiro também cobra… E se não tiveres dinheiro, o médico diz… “Morre!” (risos) Não! Não é por aí, não é pelo dinheiro que essas pessoas trabalham! Nós não trabalhamos a fazer as crianças sorrir pelo dinheiro. Se quiséssemos ganhar dinheiro, íamos trabalhar no banco, na bolsa de valores. A nossa finalidade, como a dos profissionais de saúde, não é o dinheiro. Só que nós temos o mau hábito de comer. Artista também come, e para comer precisa de ter dinheiro. A associação contrata profissionais porque nós cobramos muito dos artistas e os artistas precisam de salário como qualquer outra pessoa! Nós temos muito orgulho de dizer que criámos 21 novos postos de trabalho para artistas e 7 postos administrativos. Num ano em Portugal em que não há trabalho, nós, como associação, fornecemos trabalho para essa gente toda. Não quer dizer que o trabalho do voluntário não seja importantíssimo. Trabalhar de graça é essencial também, mas tem de ser feito sempre de uma forma regular. Não adianta querer ser bonzinho só em Dezembro. Se a criança está a precisar de mim em Janeiro, o órfão que se dane! Em Janeiro a criança continua a precisar de nós, e acho que o importante, seja voluntário, seja profissional, é que seja uma coisa continuada.

G4 - Como é o processo de selecção dos palhaços?
BQ –
Os artistas são profissionais. Esta entrevista está a acontecer na Fábrica do Teatro do Frio, onde há várias companhias de artistas. São músicos, são mágicos, são bailarinos, são actores, que vêm do Conservatório, pessoas que estudaram a arte. Para ser palhaço no hospital é preciso ser palhaço e depois ter formação de hospital. As pessoas não percebem que palhaço também vai para a escola… é como o músico ou o actor: os actores têm de aprender muita coisa, colocação de voz, corpo, improviso, texto, presença… e o palhaço tem de aprender malabarismo, asneiras, estupidez, mímica, corpo… como todos os outros! Não chegas a uma banda de música e dizes: “Olha, eu assobio bem. Posso fazer parte da sua banda?”. A pessoa vai dizer: “Estudaste? Sabes teoria?”. O palhaço é uma profissão como qualquer outra.

G4 – E para a organização, que características essenciais procuram num artista?
BQ –
Equilíbrio emocional e gostar de crianças. Como nós trabalhamos muito com crianças, mais do que gostar de ser palhaço, a pessoa tem que gostar de estar com crianças, porque a criança tem uma ligação muito grande com o palhaço. O equilíbrio emocional é porque não podemos ter dentro de um hospital pessoas que vão chorar, ficar nervosas, deprimidas… o paciente precisa de ajuda, não precisa de mais um deprimido em cima dele!

G4 - Sabemos que já tem muita experiência como doutora-palhaça. Alguma vez sentiu que o seu trabalho, em vez de ajudar, piorou a situação do doente?
BQ –
Não. Nunca piora… Nós podemos ir embora, nós podemos sair para não atrapalhar. Mas nunca aconteceu o caso de uma criança piorar por nos receber. Normalmente se a criança não quer, nós vamos embora. É um dos direitos da criança dizer “Não! Não quero o palhaço.”. E nós obedecemos. E também nunca matámos ninguém. O que é bom, não é?

G4 – (risos) Qual é para si a maior recompensa deste tipo de trabalho?
BQ –
Eu acho que é o respeito e o carinho que as pessoas têm pelo palhaço, a forma carinhosa como nos recebem… é sempre uma honra muito grande poder receber o afecto de pessoas que precisam tanto! Que são tão generosas e corajosas perante a doença, porque a doença de uma criança é algo muito triste e muito injusto.

G4 – Obrigada, acho que é tudo…
BQ
– Muito obrigada! Obrigada a vocês, aos alunos da… Escola… Secundária… da… Maia, e a todos vocês, na escola, muito obrigada, portem-se bem…ou… portem-se mal, que sabe bem! Que continuem sempre optimistas, sorrindo, sonhando, e sendo exactamente quem vocês são. Muito obrigada. Adeeeus!